É comum, ao iniciar a terapia, observar uma censura na fala, um questionamento das angústias, afetos, bem como os motivos e tudo o que pode parecer "estranho" ou embaraçoso. Quando se trata de assuntos que são tratados como tabus na nossa sociedade, essa questão se amplia ainda mais. Se desautoriza a falar, se escolhe as palavra, acreditando que existiria um "certo" e um "errado", aquilo que se pode e o que não se pode falar em uma sessão de análise, ou, simplesmente, por se descartar a importância daquela lembrança ou associação de ideias que pareceu ser totalmente irrelevante ou sem sentido.
Entretanto, é justamente a supressão dessa crÃtica que insiste em filtrar aquilo que vem à cabeça aparentemente sem motivo, que interessa à psicanálise.
Freud, em A interpretação dos sonhos (1900), se referindo ao método de abordagem dos sonhos, esboça uma das primeiras ideias relacionadas à associação livre. Ele diz:
Meus pacientes assumiam o compromisso de me comunicar todas as ideias ou pensamentos que lhe ocorressem em relação a um assunto especÃfico [...]. É necessário insistir explicitamente para que renuncie a qualquer crÃtica aos pensamentos que perceber. Dizemos-lhe, portanto, que o êxito da psicanálise depende de [...] notar e relatar o que quer que lhe venha à cabeça, e de não cair no erro, por exemplo, de suprimir uma ideia por parecer-lhe destituÃda de sentido
É esse o convite e o motor da psicanálise. Para tanto, é importante que o setting terapêutico seja um espaço onde se sinta confortável para falar o que for, da forma como for, por mais estranho que possa parecer. Um ambiente de confiança onde o medo de ser julgado pelo analista não é impedimento, nem mesmo o julgamento que o próprio analisando faz de si mesmo.
Dessa forma, com a proposta de libertar a fala tanto quanto for possÃvel, dessas amarras que insistem em capturar certos aspectos como certos e outros como errados, como dignos de importância e outros não, pode ser possÃvel construir um espaço favorável ao aparecimento da verdade de cada um.
Considerando isso, torna-se mais compreensÃvel o abismo que diferencia a psicanálise de algumas abordagens psicológicas, pois a associação de ideias é algo absolutamente individual. O que significa ser "ansioso" para um, e ao que esse fator remete, é completamente distinto do que significa ser ansioso para outro. Nesse sentido, é possÃvel criar um ambiente favorável para que essa associação ocorra, mas o caminho só pode ser indicado por cada um.
Referências:
Freud S. A interpretação dos sonhos (1900). In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago; 1996. v. 4, p. 135 - 136.